sábado, 30 de janeiro de 2010

A luz do naturismo


Por Laércio Júlio da Silva
30/01/2010
O naturismo brasileiro por si só poderia existir sem qualquer tipo de inspiração estrangeira devido às condições climáticas e os habitantes nativos que aqui já viviam nus e felizes bem antes da época do descobrimento. Alguns filósofos ligados à igreja chegaram a afirmar que as naus teriam aportado no paraíso descrito no livro de Gênesis da Bíblia e que nossos índios seriam uma espécie de descendentes diretos de Adão e Eva. A natureza exuberante, os corpos nus e a liberdade fundamentavam essa teoria que mais tarde inspiraria o filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau(1712-1778) e, de tabela, a Revolução Francesa. O estilo de vida naturista foi sempre muito mais presente na nação tupiniquim do que em qualquer outro canto do planeta. Conta-se que os índios brasileiros pelados e acostumados aos banhos frequentes, tapavam o nariz ao se aproximar dos conquistadores fedorentos e atopetados de roupas de algodão cheios de carrapatos, pulgas e percevejos, primeiros colonos peçonhentos trazidos pelas caravelas que a partir daí infestaram o nosso nascente País.

Considerado um modo ou estilo de vida, o naturismo tem inspirado contornos de filosofia ainda em formação, já que a definição de naturismo é muito recente: “é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o autor-respeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente”. Só em 1974, o Congresso da Federação Internacional de Naturismo (INF-FNI) criou essa definição, hoje adotada por todas as entidades naturistas do mundo contemporâneo.

A história do naturismo brasileiro tem raízes muito profundas também em uma feminista nascida com o nome de Dora Vivacqua (1917-1967), atriz, bailarina, vedete e ativista intelectual brasileira. Vinda a ser conhecida como Luz Del Fuego, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim – Espírito Santo, terra do escritor Rubem Braga e também do igualmente e não menos famoso cantor Roberto Carlos, até hoje o filho mais conhecido da terra. Nascida no ano da Revolução Russa, em 21 de Fevereiro de 1917, fato que mudaria definitivamente a história da humanidade com a conquista do voto da mulher, Luz foi também uma feminista revolucionária e polêmica. Como a maioria das mulheres que desafiavam a estrutura machista e preconceituosa da época, sofreu perseguições e foi assassinada no período ditatorial pós 1964 em circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas. Na sua época, bastava dizer que nenhuma família tradicional gostaria de ver sua filha galgada ao posto de “vedete”. O termo de origem italiana “vedétta” ou francesa “vedette” foi incorporado ao dia a dia brasileiro como sinônimo de atração ligado às atrizes e bailarinas. Também era sinônimo de mulher libertina, fora dos padrões conservadores da sociedade no período do Teatro de Revista que durou de 1838 a 1960.

Outra grande militante nudista foi Elvira Pagã (1920-2003), atriz, cantora, compositora, pintora e igualmente vedete e polêmica, considerada uma das maiores estrelas do Teatro de Revista, disputava com Luz del Fuego o papel de destaque entre as mais ousadas mulheres brasileiras de seu tempo. Foi a primeira a usar biquíni em Copacabana nos anos 50 e posar nua para uma foto que distribuiu como cartão natalino, um escândalo para a época.

Mas, foi em Luz del Fuego que o naturismo brasileiro teve sua mais dedicada entusiasta. Em 1950, Luz começou a reunir grupos de amigas e amigos em uma praia de difícil acesso conhecida hoje como Praia de Abricó(RJ), que desde 1994 oficialmente se destina à prática do naturismo, sendo então presa várias vezes. Percebendo que o nascente naturismo brasileiro necessitava de bases teóricas e filosóficas, publicou o livro A Verdade Nua e, com a renda obtida em sua venda, arrendou da Marinha a ilha Tapuama de Centro, com oito mil metros quadrados, nas proximidades de Niterói, rebatizada de Ilha do Sol, onde instalou a sede do Clube Naturalista Brasileiro em 1954, o primeiro desse gênero na América Latina, um ano após a criação da Federação Internacional de Naturismo(INF-FNI) na Europa. Na mesma década, funda o Partido Naturalista Brasileiro e se candidata a deputada federal sem interesse eleitoral, somente para chamar a atenção e fomentar o debate sobre o tema. A partir da segunda metade dos anos 50, a Ilha do Sol, apesar de não estar incluída nos roteiros turísticos oficiais, transformou-se em uma das maiores atrações do Rio de Janeiro, sendo visitada por intelectuais, astros e estrelas do cinema, como Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Power, César Romero e personalidades da vida nacional que a frequentavam secretamente. A nudez total, a alimentação vegetariana e a proibição de fumo e álcool eram obrigatórias na Ilha do Sol, e a ninguém era permitido desembarcar sem deixar no píer as suas roupas, porque o pensamento de Luz era o de que “o nudista é uma pessoa que acredita não ser a indumentária uma peça necessária à moralidade do corpo. Não é concebível aceitar-se que o corpo tenha partes indecentes, que precisam ser escondidas”. Por essa razão, todo o dia 21 de Fevereiro, data do nascimento de Luz Del Fuego, é comemorado o Dia Nacional do Naturismo no Brasil.
Laércio Júlio da Silva é diretor da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) e presidente da Associação Goiana de Naturismo – Goiasnat.