sábado, 6 de fevereiro de 2010

O paraíso ameaçado de Lagoa Santa

Por Laércio Júlio da Silva 

06/02/2010
“Um paraíso desconhecido no extremo Sul de Goiás...”, assim foi descrito há poucos anos por reportagem televisiva em horário nobre um dos locais mais pitorescos do ecossistema goiano, pouco conhecido dos brasileiros: a Lagoa Santa. Bem menos badalada que a “xará” mineira, para quem ainda não teve o prazer de visitá-la, trata-se de uma lagoa de água termo-mineral localizada no recém constituído município de Lagoa Santa de Goiás, elevado a essa categoria em 1997. Dotada de beleza magistral e única em sua vazão de enormes proporções, a Lagoa Santa, principal cartão de visita do jovem município, é um paraíso ecológico formado por mata, rio e lagoa de águas termominerais límpidas e translúcidas de efeitos medicinais, com temperatura média de 31º C. Possui fontes naturais sulfurosas, ideais para quem quer relaxar e recarregar energias em seus ofurôs naturais. A água brota do subsolo atingindo uma vazão espontânea de 3.600 m3/h.(fonte: DNPM), provavelmente uma das maiores ou a maior do mundo em se tratando de água mineral. Toda a lagoa está às margens do Rio Aporé, e em alguns pontos distancia-se poucos metros. A Lagoa faz o inverso das outras, brota somente do lençol freático a água que a alimenta desembocando no Rio Aporé fazendo com que este se transforme em uma barragem natural, sem se misturar às águas turvas. Poucas vezes, no período de chuvas intensas, o rio sobe muito e as águas barrentas acabam vencendo e entrando lagoa adentro misturando-se às águas límpidas. O fenômeno é esperado ao longo do ano pela população local que se sustenta do turismo. A sabedoria popular, acostumada até certo ponto com as intempéries, batiza as cheias de vários nomes, a mais famosa é a enchente de São José. Infelizmente as inundações têm se tornando cada vez mais frequentes e sua intensidade e tamanho tem crescido por interferência humana. Trabalhei quatro anos na região gerenciando o hotel e a reserva ambiental particular ao redor da Lagoa. O assoreamento do Rio Aporé, assim como ocorre em vários rios brasileiros, tem ajudado na formação de enchentes que assolam o país e a cada ano prejudicam mais a Lagoa. Conheci varias propriedades a margem do rio que não respeitam a manutenção de matas ciliares conforme as leis ambientais. Plantações de soja e outras culturas que cobrem a margem do rio desafiam a lei e a natureza. A área da Lagoa é uma “ilha” de floresta preservada em meio a uma região desmatada pela agropecuária sendo ainda refúgio permanente para animais silvestres como aves, principalmente emas e araras, tamanduás bandeira e outros que frequentemente encontram a morte na rodovia. Até os anos 80 eram um espetáculo a parte apreciar cardumes de grandes peixes que entravam nas águas translúcidas da Lagoa formando um imenso aquário natural. Hoje não são mais vistos. A fiscalização tem diferentes formas de agir tornando-se complicada a parceria devido à região ser fronteira de rio, dividindo os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás. A formação de represas, sem levar em conta o impacto no ecossistema delicado da Lagoa, tem igualmente colaborado para a inundação quando abertas as comportas em época de chuvas intensas. Outro grande problema a ser resolvido pela fiscalização é a perfuração indiscriminada de poços artesianos que podem efetivamente alterar a vazão natural da Lagoa. Testemunhei várias vezes doenças serem atenuada pelos efeitos medicinais das águas da Lagoa Santa incluindo ai o “fogo selvagem”, doença de pele rara e de difícil tratamento. Eu mesmo fui vítima de um acidente automobilístico grave, voltando a trabalhar mesmo antes do término da licença médica graças a seguidas imersões em suas águas. O local sempre foi conhecido por curas proveniente das águas e no meio da Lagoa existe uma ilha de pedra que antes abrigava uma capela para os romeiros que até hoje são atraídos pela fama milagrosa, daí vem o nome como é conhecida. No último dia 30 de Janeiro as águas subiram 8 metros em apenas seis horas cobrindo a Lagoa e arrastando a ponte que permite a passagem para o estado do Mato Grosso do Sul. Foi uma das maiores enchentes sofridas na região. Esperamos que a Lagoa Santa de Goiás não tenha o mesmo destino da Lagoa Azul, atração turística de Arraial d’Ajuda na Bahia. Por interferência humana a lagoa secou de tanto arrancarem argila da falésia de onde brotava a água que a alimentava. Construções irregulares também ajudaram a assorear a lagoa vítima da ação dos especuladores. A população extremamente hospitaleira do município de Lagoa Santa vive em função do turismo e espera providências das autoridades ambientais de Mato Grosso do Sul e Goiás. Caso contrário, as pobres futuras gerações perderão mais um santuário natural que passará a ser somente um lindo cartão postal inexistente.
Laércio Júlio da Silva é diretor da Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) e presidente da Associação Goiana de Naturismo, o Goiasnat

www.goiasnat.com.br