segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A pornografia como justificativa

O naturismo é o meio. Os interesses vão emergir.
Há duas coisas que me impressionam. A primeira é um censura informal que contraria disposições constitucionais que proíbem a censura. A segunda é o prestígio legalista da justiça brasileira sendo jogada para o alto em face de leis mal feitas e juízes mal preparados intelectual e profissionalmente que se guiam pelo clamor de grupos, tomando decisões valorativas e não jurídicas.
Loucos são aqueles que pensam diferente de mim. Louco é o Rones, um perigo à comunidade, porque pensa diferente do juiz que o interrogou, mergulhado em noções morais, distante de fatos concretos. Pior: dando pareceres que não são da sua alçada, da sua competência. Rones é louco por diz que andar nu ou ser naturista – não é crime. E por isto foi internado num Gulag paraibano. Soljenitsin continua atual.

Sobre pornografia Fabiano Di Girolano já falou (http://www.revistapsicologia.com.br/materias/pontoDeVista/erotismo_porno.htm). Das inconstitucionalidades do ECA não existe mais nada a acrescentar ao texto de Victor Hugo Pereira Gonçalves (http://www.juristas.com.br/informacao/revista-juristas/da-inconstitucionalidade-da-lei-da-pedofilia-infantil-na-internet/24/).

Foi a pornografia, e por extensão a pedofilia, que levaram os dois casais do Rio Grande do Sul à prisão e agora Rones na Paraíba. Estes fatos me fizeram lembrar de um trecho de uma comunicação da década de noventa:
Para Alexandrian, não há diferença entre pornografia e erotismo. "A pornografia é a descrição pura e simples dos prazeres carnais: o erotismo é essa mesma descrição revalorizada em função de uma idéia do amor ou da vida social. Tudo o que é erótico é necessariamente pornográfico, com alguma coisa a mais" (1993:8). A obscenidade, continua este Autor, "rebaixa a carne, associa a ela a sujeita, as doenças, as brincadeiras escatológicas, as palavras imundas" (Id. loc. cit.). Demostra-se, assim, a relatividade da pornografia, do erotismo e da obscenidade; a pornografia pode ser uma delas (pornografia, erotismo e obscenidade), como pode ser as três ao mesmo tempo, quando mostra o não-mostrável, diz o não-dizível e rompe o censurável; torna público o privado (v. Giddens, 1993). Pornografia também é todo material de estímulo sexual explícito. Este é o conceito utilizado pela Comissão (presidencial americana) de Obscenidade e Pornografia (cf. Malamuth & Donnerstein, 1984:XV), criada em 1968.
Um dos objetivos desta Comissão era "estudar o efeito da obscenidade e da pornografia sobre as pessoas, em especial sobre os menores, e suas relações com o crime e outros comportamentos antisociais" (Byrne & Kelley, 1984:1). A pornografia, ao expor imagens consideradas atentatórias ao pudor e à moralidade, passa a ser associada a crimes de estupros e outras formas de agressões do homem contra a mulher. Os dados, como vimos acima, mostram que estas formas de agressões nem sempre têm uma causa sexual.
Os conceitos de pornografia emitidos por Alberoni e por Alexandrian diferem do conceito da Comissão sobre Obscenidade e Pornografia, pois esta pretende torná-lo positivo, juridicamente operacional, definida através de demonstrações, referências, citações e atividades sexuais. Mesmo assim não perde sua relatividade, pois as classificações destes elementos distintivos da pornografia têm bases morais. Uma foto, um quadro, podem variar de algo neutro, até algo extremamente pornográfico. As cenas de novela que contém tramas de relacionamentos amorosos, por exemplo, têm sido considerada por uns extremamente pornográficas e por outros (quanto muito) eróticas.
A cumplicidade promíscua da pornografia com a moralidade torna difícil, então, determinar um limite conceitual do que seja pornografia. O mesmo acontece com a moralidade. O pano de fundo desta relação são as definições acerca de sexualidade herdada dos pensadores religiosos. Se por um lado, então, as pessoas se vêem cerceadas de informações acerca da sexualidade, por outro lado ela aflora em cada pessoa. Parece ser esta a maior contradição em nossa relação com o sexo: uma "ausência/presente" (Comunicação apresentada em 08 de novembro de 1996 no Simpósio: Comunicacion, Pornografia y Educacion Sexual, parte do VIII Congreso Latinoamericano de Sexologia y Educacion Sexual, realizado em Montevidéu, Uruguay, nos dias 8 a 11 de novembro de 1996).
Jonathan Wallace e Mark Mangan publicaram um livro Sex, Laws, and Cyberspace: freedom and censorship of the online revolution (New York: Henry Hold and Co., 1996) e logo na introdução há um descrição interessante na respeito dos censores voluntários nos correios associa a censura à mudança. A invenção da máquina fotográfica durante a Guerra Civil permitiu que fossem enviadas fotografias de mulheres nuas para a frente de batalha e isto deu origem à Postal Obscenity Law, aprovada pelo Congresso de 1873, ainda é utilizada para instaurar processos às pessoas acusadas de terem computadores com imagens consideradas pornográficas.
O noticiário do caso Rones há a soma de dois fatores: uma elite conservadora impedindo a secularização patrocinada pelas novas tecnologias que coloca em perigo a manutenção em suas mãos os poderes político e econômico.
A Primeira Emenda norte americana proíbe a censura. A nossa Constituição Federal também a proíbe. Lá há os censores voluntários que agem na sombra das leis infraconstitucionais e aqui no Brasil seguem-se os mesmos passos. Quem são eles? Lá são “um inspetor postal, um corretor da bolsa, um senador dos Estados Unidos, um membro subalterno de uma igreja, um agente do FBI, um estudante universitário” (Jonathan Wallace e Mark Mangan, p.xi). Aqui vemos um cantor de gospel, que é Senador, que se identifica como pastor. Requisitos para angariar novos censores voluntários. Agentes policiais, delegados, promotores, juízes, pressionados pela pressão aderem a estas campanhas.
Estas campanhas se fossem orientadas para o bem público seriam louváveis, mas ela são, na verdade, voltadas à manutenção de conceitos religiosos desassociados dos interesses sociais.
E quando isto acontece a injustiça se torna flagrante. E os estragos se tornam irreparáveis.

Será que este moralismo
exacerbado compensa vidas destruídas?