sábado, 20 de julho de 2013

Borraram os sem-calças

A ocupação da Câmera de Vereadores de Porto Alegre por jovens protestando a tarifa de ônibus e tanto mais terminou de modo festivo, sem danos para o patrimônio público, mas com o que o repórter Felipe Bächtold da Folha de S.Paulo chamou de "mais uma inovação":

Cerca de 20 jovens que integram o Bloco de Luta Pelo Transporte Público, grupo que reúne entidades que pedem o passe livre, posaram nus dentro da Câmara Municipal para fotos que depois eles próprios postaram nas redes sociais.

O "ensaio fotográfico" foi uma comemoração do grupo, acampado no plenário da Casa desde a semana passada, pela resposta a parte de suas reivindicações.

Mesmo sem roupa, os jovens, "tímidos", cobriram o rosto. Eles se posicionaram para as fotos em frente a uma galeria de retratos de ex-integrantes da Câmara. A atitude chocou políticos do Estado.

A matéria toma a metade superior da página C8 da Folha de ontem, com o título "câmara dos PELADOS", com "PELADOS" em letras com quase 4 cm de altura. É ilustrada com duas fotos, aparentemente tiradas de Facebook, uma das quais reproduzo abaixo:

Isso não era a única foto tirada; na própria foto podemos ver mais quatro pessoas tirando fotos. Esta foto saiu na versão impresso da Folha recortada para tirar estas pessoas da margem da imagem - porém, a nudez é intocada.

Outros veículos

Enquanto a Folha fez o recorte artístico mas não censurou, vários outros veículos borraram os sem-calças. O Diário Gaúcho borrou pintos mas não seios.

Zero Hora optou por uma captura diferente da mesma cena, mas também com as "vergonhas" borradas. E de novo, seio é liberado, mas pinto não pode.

Barrado no origem

O repórter postou a imagem colhida de Facebook na página da Folha no Facebook - e foi censurado. Facebook apagou a imagem e ainda bloqueou a conta do jornalista durante 24 horas.

"Sexo grupal"

O uso do nudez em protestos (e nesta caso, em comemoração) é pouco entendido. Conforme a matéria de Bächtold:

O presidente da Câmara, Thiago Duarte (PDT), afirmou que a imagem é "deprimente" e desrespeitosa com a instituição.

"Se querem fazer sexo grupal, que vão fazer em um local privado, não em um local público", disse à Folha.

A confusão de nudez simples com sexo (e até "sexo grupal") é tipica de quem nunca foi exposto ao naturismo. Até a forma de censura, feito da ótica machista, ilustra esta confusão. Mas a confusão é somente no lado "textil"? Bächtold continua:

CAUSA LGBTT

Integrante do Bloco de Luta, Luciano Barcellos, que participou da audiência, disse que a iniciativa de bater as fotos partiu de um pequeno grupo de ativistas ligados à causa LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros), que também fazem parte do movimento.

"Eles entendem que o corpo não é um problema", diz.

Barcellos --que não aparece nas fotos-- critica o que chama de "falso moralismo" e diz que o bloco tem integrantes de "todo o prisma da esquerda" e respeita cada tipo de protesto.

Quem já viu um pouco de naturismo brasileiro encontrou a jabuticaba de proibição de homens solteiros. É muito ingenuidade interpreta isso como outra coisa do que é: homofobia.

Ora, se naturismo não é sobre sexo, o que importa a preferência sexual dos naturistas? Se a pretensão não seja "sexo grupal", por que cargas d'água é preciso que homem e mulher estejam presentes em proporções iguais?

Os vereadores de Porto Alegre podem ter suas dificuldades em distinguir nudez de sexo. E se não conseguem entender o respeito pela coisa pública (não houve vandalismo) e o desrespeito pelo homem público (as fotos de cabeça para baixo) é porque não querem entender.

No naturismo brasileiro, também, o hábito é fingir não entender muito coisa: não enxergar o swingue, não enxergar a discriminação contra homossexuais, não enxergar os fraudes financeiras e imobiliárias que se escondem atrás de naturismo.

Há quem pergunta porque os jovens nos fotos enrolaram suas cabeças em panos. Prefiro perguntar porque os naturistas brasileiros enfiam suas cabeças na areia.